Felinidade ao cair da tarde

Alongo tendões, sonhos e sorrisos sobre a cadeira do meu quarto onde me sento. Enquanto correm as horas, a languidez eriça minha pelagem. Mesmo que os dedos corram pelas páginas da partitura, minha sombra tudo ignora e se insinua sensualmente para a nesga de luz do sol que entra pela janela. Ronrrono. O felino em mim se lambe com preguiça, tão sinuoso, delicado e quente quanto o vocalise que Ella canta jazzisticamente. Sou todo jazz, mas sou pungente como o trompete.

De onde vem tanto amor, senão daqui de dentro? Faço-me de afável e, na realidade, sou. Afagável. Amante dengoso de apetite selvagem. Sou gato. Exigente e dedicado. Fera e também presa de minha própria domesticidade. Mordo a mão que me bagunça o pêlo e a tranqüilidade, mas me enlaço, estico, me esfrego em teu abraço num anseio louco pelo frêmito da tua mão em meu cabelo.

Bittersweet, adoro essa palavra. Sua propriedade, seu som explosivo e escorregadio no meu ouvido. O torpor de olhos semicerrados. Cravo minhas unhas na almofada, assim como cravo meus olhos na tua imagem desfocada. Onde você está que não escuta o meu miado? Quem é você que não percebe o meu chamado?