D.i.l.e.t.â.n.c.i.a
Já dizia o pai-dos-burros-mor, seu Houaiss:
diletante adj. 2g.s.2g. (1868 SIl nº397 p.3170) 1 obsl. que ou quem é grande aficionado por música; melômano 2 p.ext. amante das artes e da literatura 3 que ou quem pratica uma arte, um ofício, etc. como um passatempo, e não como um meio de vida 4 pej. que ou quem mantém uma atitude imatura, de amador em relação a normas de ordem intelectual ou espiritual ๏ ETIM it. dilettante (a1535) ‘que ama, que dá prazer, (1681) que cultiva uma arte, uma ciência ou dedica-se a algum esporte por prazer, sem fins lucrativos, (1759), a quem falta experiência, perícia’, part.pres. de dilettare ‘dar prazer’, do lat. delectare ‘atrair, afagar, deleitar, encantar, recrear’; ver laç-; f.hist. 1873 dilettante; a datação é para o adj.
Agora, pode alguém, por favor, me dizer qual o problema em ser diletante? Ser diletante simplesmente completa nossas vidas. E tão mais completas elas serão quanto mais diletantes formos. Essa história de que cada um deve fazer apenas aquilo no qual é perito, me desculpem, mas é realmente muito fora de moda. Que que há? Eu jamais seria um músico hoje — e eu sei muito bem o que eu faço — se não fosse diletante. E do outro lado do espelho, se não fosse diletante, eu jamais teria um blog.
O mundo tá cheio de diletantes muito bem sucedidos. Vejamos…
Paulo Vanzolini. Biólogo, médico formado, ex-diretor do Museu de História Natural da USP e… excelente compositor da música popular brasileira.
Camerata Fiorentina ou Camerata Bardi. Foi formada por nobres e músicos que se reuniam na casa de seu anfitrião, Giovanni di Bardi, para discutir poesia, música e ciências. Quer mais diletante do que isso? Pois bem… no período pré-barroco da história da música, foram eles que lançaram o movimento que levou às primeiras experiências em monodia dramática. Em resumo, a forma como muitas óperas foram escritas, com recitativos e árias bem definidas — forma que durou até o romantismo de Wagner —, a estrutura de melodia acompanhada, em contraposição com a escrita extremamente polifônica da renascença, que serviu de base para o estilo barroco surgiu por puro diletantismo.
E por falar em Wagner…
Richard Wagner, compositor alemão, famoso por ter desenvolvido em suas óperas todo um conceito de drama musical, e motivos condutores, ou leitmotive, concebeu e projetou, ele mesmo, um teatro em Bayreuth, sede do festival pelo qual ele ansiava para apresentar o ciclo completo de O Anel dos Nibelungos, formado por quatro óperas (O Ouro do Reno, A Valquíria, Sigfried e O Crepúsculo dos Deuses), totalizando cerca de 18 horas de música. O teatro do festival de Bayreuth impressiona justamente porque seu projeto privilegia e conduz o olhar do espectador diretamente para o palco. Na concepção de Wagner, até a orquestra fica oculta da vista do público no fosso — e é uma orquestra imensa! É um projeto que impressiona pela arquitetura e pela acústica — área, inclusive, que muitos engenheiros, ainda hoje, não dominam.
Portanto, no que diz respeito à musica, o diletantismo impera, hoje e sempre, ainda bem. O especialista, muitas vezes, tende a ser avesso à idéias outras que as dele e se fecha na sua concepção egocêntrica da verdade.
Aliás, eu adoro aquela anedota que diz que o especialista é aquele que sabe cada vez mais sobre cada vez menos. Aplicando a teoria dos limites ou dando o passo de indução — ai, que horror, se um matemático vê isso aqui, me mata — o especialista chega ao ponto em que sabe absolutamente tudo sobre absolutamente nada. :)