Desnamorados

Ele não a ama, é visível no modo como disfarça uma distração enquanto ela fala. E ela fala, pergunta, explica, segura o seu rosto como se o vento pudesse levá-lo para longe. Mas a verdade — ela não sabe — é que procura ali naqueles olhos entediados uma gota, um risco, qualquer lampejo de um sonho que ele, de fato, nunca foi.

Ele já está a léguas dali. E não a ama. Inventa problemas que não existem porque não tem coragem de dizer a mais simples das verdades. Tem medo que ela chore e faça um baita de um drama. De novo. Medo, não: pânico! Mas o medo maior e visceral é o de ficar sozinho. Ele às vezes quer que ela suma, mas não aguenta a solidão e sua falta de propósito.

Deus, como ela é chata! Insuportavelmente grudenta — ele pensa. Ela não se dá conta do quanto ele é ranheta. Ele vai transformando sua falta de coragem em mau humor, dia a dia. Ela atinge níveis psiquiátricos de ciúmes.

Vão se casar, provavelmente. Depois de alguma briga concluirão que é o melhor porque… é o melhor. Uma cerimônia simples é o que ele quer, mas o véu dela já tem uns dez metros.

Vão se casar, mas não agora porque o trem chegou e ele se despede com um semi-beijo — um pé na plataforma, outro já dentro do vagão do metrô —, enquanto ela jura que é feliz.

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