Meu coração anda por aí, ultimamente, como gato criado solto: de telhado em muro em janela… fica olhando a lua sorrindo, o sol se pondo, conversando com as estrelas – eu ainda não entendo o que elas falam, mas como tenho fé que ele entende tento não interromper a conversa. Vez em quando o safado se enrosca em algum portão, fica preso em alguma árvore, mia aflito, some por uns dias, volta meio magro e eu cuido para que ele fique bem. Mas há sempre um brilho nos olhos quando volta, me dizendo, ou melhor, tentando me dizer – “olhe, não está vendo?” – das coisas que ele viu e eu não sei, enquanto ele novamente se aconchega em meu peito aberto e ronrona, me enchendo de inquietude.
A decisão de abrir minhas costelas e deixá-lo explorar o mundo fora das grades foi difícil de tomar. Eu diria até que ele planejou sua liberdade à minha revelia, na calada da noite, quando meu mundo era escuro e ele, com seus olhos de jade, sussurrava para mim o caminho. E eu, à luz do dia, ainda pensava o que diabos estaria fazendo ali, sem nem perceber que tinha caminhado. Ele é danado. E assim foi até que ficasse óbvio, de uma clareza ridícula, que era ele quem sabia voar e não eu: meu coração era esfinge.
Não teve jeito: abri o peito a força e fechei meus olhos para não vê-lo partir, com medo de que não voltasse e eu ficasse aqui descompassado. Mas ele é caseiro e sempre volta pra me dizer, entre miados e suspiros, de cada possível amor. Ele não sabe o que quer. Ou melhor, sabe o que não quer, pois só lhe é dado saber o que já viu. Ele sabe disso, eu é que não sei e projeto, habilidoso arquiteto, minhas chances de portentosa alegria. Ele não. Ele vai lá, cheira, lambe e diz “sim” ou “não”. Bichano esperto.
No próximo sábado, 3º dia de maio, completaremos 27 anos, meu coração e eu. Temos nos entendido bem até, ele na sua linguagem, eu na minha, mas ainda não sabemos o que queremos. Ele anda meio inquieto, querendo alçar mais altos vôos, tentando alcançar as estrelas como se fossem vagalumes. Eu entendo o seu anseio, também eu estou cansado dessa paisagem. Vejo esgotadas as possibilidades da estação. Talvez até sábado planejemos uma viagem: um presente. Pois nós dois merecemos os presentes que a vida nos oferta, mas ainda não descobrimos como buscá-los. Viajemos, então! E que seja para a bem aventurança, para o bem querer. Para o alto e avante!