Vamos lá, mais uma dose de pouco sentido.
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Eu lembro de você em detalhes incrivelmente intensos e, às vezes, dolorosos. Não pelo que poderia ter sido — tudo foi o que poderia ser, tanto que foi —, mas pelo que foi, exatamente; pelo que (me) significou, pelo que eu senti, pelo que eu sou.
Desculpe, mas isso não tem mais nada a ver com você. O protagonista daqui onde vejo sou eu, você saiu do enredo faz tempo; eu que continuo a narrar as horas que pingam dia a dia, como uma torneira sobre uma pilha de pratos sujos na pia.
E há as profundas e delicadas alegrias. Teus olhos luminosos, tuas mãos, teu ar desconsolado. Teu verbo, tua preguiça, teu adormecer enquanto eu falo. Teu jeito de criança (teu amor ainda criança, tão carente e inseguro), teu toque, teu beijo. Teu perfil, teus lábios, teu carinho, tua inesperada volúpia. Meu sorriso.
Você tem vários rostos, alguns nomes, diferentes amores. E eu não sei mais quem é você. Aconteceu de eu te conhecer e às vezes eu até te re-conheço. Mas resisto à tentação — e ela às vezes é tão forte! — de te procurar onde o tempo não existe mais. Eu te procuro em mim, tento te entender em mim e te procuro, assim, sem querer procurar, ali adiante, quando não te conheço, onde não sei se te encontro.
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Eu acreditei que você existia. E acreditando que você existia te conheci sem perceber que você existia, antes de mais nada, dentro de mim. Às vezes criei você. Ou melhor, eu te construí a partir de você mesmo. Te procurando, me perdi; me procurando, achei você. E você foi pra mim como só pra mim poderia ter sido. Porque só deus sabe o como e quando e quanto eu amei você. Divinamente.
Não sei se me acostumo com essa solidão de existir. Mas agora que eu existo — por que antes eu não existia, percebe? sem você eu não existia —, você vai ter que ser e existir por conta própria. E se você não existir, ora, então eu vou ter que arcar com a dor, a decepção, ou seja lá o que for, da tua inexistência. E olha, não é fácil.
Mas se você existir, coração, eu espero te encontrar em um desses momentos onde o tempo esquece de existir e o peito repete, insistentemente, o mesmo compasso.