É tanto e tão pouco o que se passa na minha cabeça e se enrola no meu dentro…
A sapa que virou príncipe que virou sapo?
(Ou: um não conto-de-fadas. Ou: um conto de não-fadas. Ou: um não-conto sem fadas. Ou: um não-conto de não-fadas. Ou: sei lá!)
Daí que eu tava lendo a Veja este fim de semana e, parênteses: putaquepariuderola, que revistinha ruim! Bicho, mas é muito ruim! É ruim em notícia, é ruim em opinião, é ruim em curiosidades, é ruim, é ruim, é ruim. Vou dar é pros sobrinhos recortarem enquanto eles mal sabem ler.
Mas voltemos. Tinha UMA matéria que me chamou a atenção, não pelo brilhantismo jornalístico, mas pelo assunto em si: a de uma lésbica cuja parceira fez inseminação artificial e teve um filho e que decidiu (ela, não a parceira) fazer tratamento e cirurgia de mudança de sexo. Resumo da história: a parceira não quis manter mais a relação porque não via nele — é, nele, até ela entedeu isso — aquilo que procurava em sua cara-metade. O casal se separou quando o bebê tinha cinco meses, mas continua amigo e tem a guarda conjunta da criança.
Tirando de fora toda a babaquice de Shane (ex-Sharon) ser chamado de traidora por estar passando pro outro lado (sic), o burburinho em sites e blogs (lésbicos) acerca do personagem transexual do seriado lésbico de TV, pra que este tivesse um fim trágico — francamente, hein, meninas! —, e os comentários muito valorosos sobre abraçar as diferenças de quem também é oprimido, vindo de dirigentes de algumas organizações pra lésbicas — caralho, que frase imensa é essa? —, eu acho que o fim do casamento era bem previsível, simplesmente porque ele deixou de ser, pra companehira, quem ela enxergava.
Sem juízo de valores aqui. Na verdade, acho que Shane está muito certo em querer deixar de ser Sharon se não era isso que ele gostava de ser. O argumento “queria que o bebê me visse como eu sou”, é também muito válido, embora desnecessário. Na minha cabeça (que não é deste planeta, vocês sabem), Shane queria simplesmente ser quem ele sentia ser e queria deixar de ser quem ele não se sentia como sendo. Ponto. Ser mulher e gostar de mulher é diferente de querer ser homem. Acontece que ele deixou de ser quem a parceira gostava que ele fosse.
É simples assim? É. É fácil? Não. Mas esqueçam por um momento o caráter trans-ex-lésbico-sexual da história. Quantas vezes vocês já não olharam pra alguém e se deram conta que ele(a) não é mais quem vocês conheceram. Ou se deram conta de que nunca foi — é mais difícil e mais doído, posso afirmar. Por que a “mudança” de sexo causa tanta celeuma e a de caráter não? Eu, por exemplo, preferiria mil vezes ter ouvido que um certo ex-amor iria trocar de sexo, o que certamente poria fim à relação, mas tudo bem, do que vê-lo trocar de máscara na minha frente — ou tirá-la, ainda não tenho certeza, mas que se foda. Veja, pense: onde você se sentiria mais traído, por si ou por outrem? Com alguém que põe o próprio corpo à prova pra se tornar o que é, ou com alguém (amor ou não) que se “transveste” de si mesmo e depois se despe, ou ainda o contrário? Ou, como eu citei ser mais difícil, dar-se conta de que o outro que você viu foi mais um outro que você queria ver do que qualquer coisa? Enfim, uma, contra mil possiblidades. E me espanta que tanta gente se ultraje quando não tem ligação direta com o caso. Não, não tem! Não é porque você é lésbica (feminista, fundamentalista, católica, de direita ou vegetariana) e a outra era lésbica e resolveu mudar de sexo que você tem alguma coisa com isso ou o caso, mesmo de longe, te representa. Isso é coisa de gente recalcada e insegura. Deixa de bancar a mal comida lambida.
No fim, traição ou não, simplesmente transmutação, tradução, transparência, transcendência, o que fica é a sensação de que, se algo existiu, não existe mais, mas de uma maneira um quê de traiçoeira apenas quando nos deparamos com a não-verdade (opcional ou quase) dos outros. De qualquer forma, que este algo tenha cumprido o seu papel e que seja possível aprender-se com isso. Mais: que o novo e o desmascarado, se não for bonito, ao menos seja exatamente o que é.
Bato palmas de pé ao Shane. Ele teve a coragem e a determinação de encarar o que era, coisa que muita gente que nem precisaria cortar o pau ou os peitos fora pra isso não tem a segurança e a retidão de fazê-lo.
Príncipe?
A pessoa enche a lata e depois não sabe por que acorda com voz, cara e se sentindo um sapo-boi. Atropelado. E eu que ia só tomar uma cervejinha…
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Dois amigos e uma amiga na fossa. Eu queria ter estrutura (e ombro) pra todos eles. Mas a verdade é que hoje eu não tenho. Entre bravatas e lamentações, o que eu faço é tentar arrumar essa bagunça interna. Hoje eu sinto mais forte quando me falta energia, o corpo reclama mais alto; eu obedeço. Mas há que se cuidar das alegrias pelo caminho, como das flores e dos amigos, nem que seja com um simples copo d’água.
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E hoje é sexta, né?
Recomeço
Escrevi um post imenso. Um post cheio de filosofias e quereres e vontades e decepções e iluminações e desejos e idéias e amores. E apaguei. Quem quer saber disso?* Eu não quero. Eu só quero saber de ver o sol nascer com o dia e a lua mudar e o capim entre os paralelepípedos da rua crescer, se chover. Por enquanto.
Cuidar da vida antes que acabe. Antes que ela perca suas cores. Antes. E depois.
* Isso é uma pergunta retórica. Leia de novo: pergunta retórica. Significa que não precisa de resposta. E num sentido um pouquinho mais pessoal, significa que não é pra deixar comentários do tipo “eu quero!”, porque eu não importo e porque vai me irritar. Capisce? (Também não precisa de resposta.)
Sambinha
Deixa desilusão a quem não sabe amar
E quem não sabe amar há de sofrer
Porque não poderá compreender
Que o amor que morre é uma ilusão
E uma ilusão deve morrer
Um verdadeiro amor nunca fenece
E pouca gente ainda o conhece
Meu bem
Se o nosso amor morreu
É porque ninguém o entendeu
Deixa o teu coração viver em paz
O teu pecado foi querer amar demais
(Coração vulgar, Paulinho da Viola)
Não deixa de ser um tapa na cara. Pois é.
Carta do Dia: A Temperança

Existem momentos específicos em nossas vidas que demandam a utilização de empatia, Guilherme. A empatia nada mais é do que a capacidade, muitas vezes que nasce da simples boa vontade, de se colocar no lugar do outro e compreender as coisas a partir do ponto de vista alheio. Vivemos, em geral, voltados demais para nossas próprias perspectivas, e carecemos de uma avaliação mais fiel, justa e sensível da realidade das pessoas que estão ao nosso redor. Cultive uma postura mais compreensiva, e a recompensa virá na forma de amor, simpatia e colaboração. Você sofrerá testes claros em sua paciência, mas não deverá fracassar.
+
Os oráculos nunca dizem “foda-se”, não é impressionante?
É preciso paciência pra tanta empatia. Eu queria que um oráculo só uma vez me dissesse algo como “mano, vai lá e quebra tudo!”. Mas quem dá asa pra cobra?
Sight
You’re just too good to see, Mr. B. Yeah, I miss you.
Questionamento polifuncional
O que é que eu tô fazendo afinal?
Porque é que eu insisto [nisso | naquilo | em você | nele | nela | neles]?
Eu vejo muita coisa, talvez mais do que deveria, talvez mais do que gostariam.
Mas será que capto o limite entre a possiblidade (ou querer?) e a minha teimosia?
Parei, parei. Não, eu tô bem, ou não, sei lá, mas cansei, bicho, cansei…
Cada um com as suas escolhas e responsabilidades. Eu aqui com as minhas.
Mande lembranças, apareça, seja e faça. Feliz, eu espero.
Da série “Pensamentos subneuronais matutinos”…
Me pego pensando que “catléia” — mas eu li “catiléia” — é um bom nome. Ora, as pessoas não dão nomes de flores às suas rebentas? Por que não o nome de uma orquídea?… Ah, não? Ok.
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O Sr. Inconsciente vai de vento em popa. Por enquanto, trivial nonsense.
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Uma possível aluna queria ter aulas semanais de canto pagando R$50,00 ao mês. Eu não soube nem o que dizer. Quer dizer, eu soube, mas não seria muito educado. Ainda não tô na fase da vida ganha pra fazer caridade com o meu trabalho.
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Ontem EU tive UMA aula — meu professor-fodão vem de tempos em tempos orientar e dar polimento em seus pupilos — e paguei R$150,00 por isso. Cash. Tem um masterclass aí que está pra acontecer, com um barítono super renomado do Metropolitan Opera House, NY: Sherill Milnes. Sabe quanto? R$350,00, dois dias. Um bom pianista de repasse pra repertório lírico? R$80,00. E por aí vai.
Sim, é caro, é específico e a gente tem que saber muito bem o que faz. Eu sei.
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Minha testa voltou pra adolescência.
E trouxe suas amiguinhas com ela, as espinhas.
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Esqueci o resto.
Prendam-me
Não, Guilherme! Não é porque você deu um mau jeito nas costas carregando sua tia e está doendo que você pode atacar o patê de gorgonzola da festa do teu pai! (Vocês queriam uma notícia esdrúxula? Ei-la.)
Segundo dia de dieta e eu me dei conta de que só há uma coisa capaz de atingir graus de carência mais altos do que os meus: minha boca. Sim, porque ela também, junto com o meu inconsciente, é uma entidade à parte.
Mas também, sintam o meu drama. Meu pai fez 60 anos, comemorados neste fim de semana. Tem restos de festa pulando pra fora da geladeira. Só patês são 3; carne-louca, carne-louca de pernil de porco (divina, aliás, minha mãe é foda); pão sírio, pão italiano e algum filho da puta fez o favor de comprar um pão sovado enorme justo ontem; antepasto de beringela; o vinagrete da minha mãe, que é imbatível; e como se não bastasse, 3 sobremesas, bolo de morango, bolo de chocolate e manjar de coco!
Estão atentando contra a minha sanidade.
+
E por falar no meu inconsciente, tempos atrás falei pro desgraçado parar de me fazer sonhar com… o passado. Sabe o que ele fez agora? Me fez sonhar que eu estou sonhando. É, você entendeu: eu sonho que estou sonhando, eu sonho que estou sonhando com sorrisos cândidos, cafunés e cachos de cabelos de meses atrás, eu sonho que estou sonhando que estou… enfim, tudo muito presente, em alta definição e riqueza de detalhes, tudo de uma vez! As ondas, de novo as ondas. E eu que pensava que era só um livro de Virgínia Woolf.
Piada de mau gosto? Não, imagina. Sadismo mesmo.
Preciso explicar como os sentidos (ou a lembrança dos sentidos) me pegam?
Sonhei também que uns probleminhas aí da minha tia, por conta da doença, eram em decorrência de um câncer de esôfago — que ela não tem, este ela não tem — e por causa de uma… espinha de peixe?
Hein?! Espinha de peixe?! Vai tomar no cu, inconsciente!
Sobre minha tia, não, ela não está bem; e sim, estamos fazendo tudo ao nosso alcance, cada um segurando as pontas (e surtando) como pode. Dá pra imaginar?
E pra completar, sonhei que estava cantando um dueto com uma soprano que eu nunca vi, acompanhado por uma pianista que eu também nunca vi (com um chapéu verde ridículo, aliás) e que olhava pra mim como se eu estivesse cantando errado. Não estava. Eu estava lendo a música na partitura. Meu inconsciente teve o trabalho de COMPOR uma música, ESCREVER as duas vozes mais o piano e eu LIA, nota por nota da PARTITURA direitinho ali na minha mão, tanto que acordei com um trecho da música na cabeça — o som e a imagem do papel.
Tudo isso hoje pela manhã. É ou não é bizarro?
Pílulas
Andei publicando as fotos que estavam entaladas. Eu deixo acumular e daí morro de preguiça de escolher — e vamos todos fingir que não há nenhum outro motivo pra não querer revirar imagens do passado. Quem sabe agora eu me animo pra bater mais fotos interessantes. (Se bem que o interesse está no olho, não no objeto, todo mundo sabe disso; ou deveria.)
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Não dá pra querer o que eu insisto em dar e dar e empurrar. Se dou tanto é porque não me faz falta, diriam. (É um bom argumento, a olhos alheios, embora minha lógica interna não vá bem por aí.) Mas abracemos a causa. Alguém fala isso pra mim umas 583 vezes? Eu repito, eu escuto, mas por que eu me recuso a aceitar?
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Eu estou nadando muito bem. O único problema é que estou comendo melhor ainda. E como eu trouxe 2Kg de Porto Alegre junto comigo e tô achando que banha é investimento, digam adeus pros carboidratos e olá pras saladas, até segunda ordem. Repitam comigo: o iogurte diet é meu pastor e nada me faltará!
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Se eu não topasse volta e meia com os mesmos quereres e carências a vida seria bem mais fácil. O engraçado é ter de ouvir dizer que “você tem que aprender a sofrer menos” como quem sugere que roupa te cai melhor. O duro é que é verdade.
É que eu sinto na pele e através; me dói a carne e eu não consigo ignorar.
E às vezes é como se desse um nó nos sentimentos que me amarram.
Mas uma hora eu aprendo. Ou morro. Não tem erro.
O sono dos justos
Agora, senhores, dormirei feliz e contente porque amanhã… ah, o amanhã… Amanhã eu não preciso sair de casa. Amanhã, minha gente, tudo o que eu preciso fazer, e nem é pouco, não exige que eu ultrapasse as fronteiras do meu bairro. Vocês têm idéia do que isso significa numa sexta-feira dessa cidade? Não pegar trânsito, não entrar num carro, num ônibus, nada! Eu sou uma pessoa abençoada.
SLURP!
Neste exato momento eu estou com uma cumbuca de doce de banana e laranja — feito por mamã — ainda quente na minha frente, observando uma colherada pornograficamente generosa de requeijão gelado se ajeitar bem ali no meio.
Calorias medidas em megatons. Regozijai-vos, ó, mortais!
Para as horas em que não há
e o quê não obedece o quando
Cidadania
Vocês já notaram que quando um ônibus está cheio nesta cidade as pessoas se fazem de sonsas pra não ter que ceder os lugares especiais a quem eles são reservados por lei? É assim, o ônibus tá cheio e marmanjo deixa a velhinha ali espremida no corredor pra não ter que levantar sua real bunda do lugar. Percebam a lógica egoísta por trás disso: é melhor a velhinha — ou mãe-e-criança, etc. — ficar ali no aperto do que eu! Tá pouco se fodendo pra velhinha ou pra lei.
Isso me irrita tanto que esta semana eu vim pra casa encarando ostensivamente um animal desses. Eu tava sentadinho no meu lugar e o ônibus encheu. Quando eu vi a velhinha parada em pé do meu lado, olhei pro banco de trás, o reservado, e peguei o desgraçado desviando o olhar pra fora, fazendo a linha “nem é comigo”. Levantei, cedi meu lugar, parei do lado da besta e não desgrudei o olho; pela cara e pelo modo como ele desceu do ônibus, espero ter incomodado bastante.
Sabe, eu acho graça. Tá assim ó dessa gente reclamando seus direitos, descendo a ripa no governo, maldizendo a sorte, a vida, o caralho. Nessa hora todo mundo é cidadão, certo? Pois eu espero que esse tipo de gente se foda muito, de verdade.
Tanto há mar
Há que se cuidar
da água
para que não vire poça.
Ser lago,
uma concentração
do tempo
e de mim.
Subir nuvem
e descer chuva
por novos caminhos.
Um recomeço,
uma gota,
um dia a mais.
Hoje sou arroio,
amanhã cresço rio.
E o destino
do meu curso
por mata e pedra
há de me levar
para o mar.
Vim só dar despedida
Quando teima em passear
desce de sal nos olhos doente de voltar…”
Enquanto fazia as malas naquela cidade penso que fechava um pedaço de mim. Estrada de caminhos cortados. Nunca levei tanto tempo pra fazer uma mala, acho que nunca recolhi tantos pedaços de mim perdidos, pensando pelos cantos.
Olho pra dentro e sinto medo, fecho os olhos e sinto frio. Olha pra fora e sinto… não sei se sinto (o que sinto). Olho pois os meus amores, que eu já alimentei tanto. Uns dormem, outros padecem. E há os que se foram, com a graça dos céus, se foram. Melhor assim — ? —, preciso mesmo me cuidar. Olho pra fora e pra mim.
Abro as malas em casa, na cidade que eu não sei mais se é minha, e há um pote de doce quebrado. Sei então que esta é a minha mala.