Sem caso

Está decidido: vou comprar uma bicicleta. Pedalar é preciso.

Segunda-feira de cinzas

Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou

Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor

E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade

A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida, feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar de que a gente nem sabe

Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando seu canto de paz
Seu canto de paz
(Marcha de quarta-feira de cinzas,
Vinicius de Moraes / Carlos Lyra)

Ah, minha mãe, rogai por nós! Lembrei de Bethânia, claro, a padroeira: “…Eu te amo desde os teus pés até o que te escapa / Eu te amo de alma para alma / E mais que as palavras / Ainda que seja através delas que eu me defenda quando digo que te amo / Mais que o silêncio dos momentos difíceis quando o próprio amor vacila.

Por que tem de ser assim? — não responda, por favor.

Brokebacked

Já faz tempo que assisti o filme. Era segunda-feira à tarde, um daqueles dias que parecem suspensos no tempo e no espaço, o cinema quase vazio, eu cheio de sentimentos e emoções que não queria ver cristalizar. Pra quê?… Chorei como só a solidão permite e saí do cinema escondido atrás dos meus óculos escuros pensando: por que, infelizmente, o amor apenas não é suficiente?

Acho que o filme divide as pessoas entre aquelas que se identificaram com alguma coisa que seja, da situação, do enredo, dos personagens, e aquelas que não. Imagino que pra quem não se sentiu tocado — ou rasgado, como aqueles que têm o péssimo hábito de sofrer com o vacilo alheio; notem o tom auto-biográfico — o filme tenha uma outra dimensão, menos amarga, menos faltalista, quiçá sem graça. Há até quem veja o valor do filme em retratar o assunto cruamente. Não nego, mas eu chego à conclusão que aquilo não é vida pra mim. Amar, ou melhor, sujeitar o amor àquilo é penitência, é descabido. Tô fora! Meu amor vale muito mais que isso.

E no entanto, porque me foge, transcende e escapa, pelo que há além, eu amo…

Match Point

O Wood Allen gosta de ópera, não?
Aquele tal de Chris tem olhos vermelhos. Lágrimas de crocodilo.
Odiei o personagem logo de cara. Oportunista. Escroto. E covarde!

Horóscopo

Uma notícia boa que tem a ver com estudos ou viagens vem ao encontro de suas expectativas, inspirações ou esforço passado. Também é um ótimo dia para viajar, aproveitando os feriados para estar mais próximo da natureza e de seus queridos. Boas perspectivas no amor e nos afetos em geral. (Folha)

Isso é um horóscopo ou uma questão de verdadeiro ou falso? É pra confirmar?
É pegadinha, né? Sei… Vou pro cinema, tá? Deixa recado com a tal notícia boa.

+

Mas assim, deu pra ti, né? Eu cansei dessa nuvenzinha cinza. Mereço isso não.

Coceira

Ó, já aviso: ninguém me convide à toa pra ir pro Rio neste feriado senão eu vou!
Ai, que me deu aquela coisa de sumir do mapa! Eu queria ir é pra bem longe…

+

“…Você
Não tá entendendo quase nada do que eu digo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo…”

“…Você
Tem que saber que eu quero é correr mundo, correr perigo
Eu quero é ir-me embora
Eu quero dar o fora
E quero que você venha comigo
E quero que você venha comigo…”

+

E no entanto, é tudo mentira.
Perigoso é não querer (viver).

Proud & Prejudice

Saí do cinema com vontade de dizer as palavras certas. E ouvi-las também, pra variar um pouco. Isso seria bom. Mas por trás de tanta distância e segurança havia algo de desamparado naqueles olhos que, confesso, me pegaria feito laço pelos pés… Ah, inferno, por que eu sou assim? E depois ainda reclamo!

Mas o piano. Me deu vontade. Se eu voltasse a estudar piano poderia cantar estando em silêncio, poderia fazer de minha a voz cristalina dos dedos sobre o teclado. Minha voz está cansada. Seria entendido? Acho que deliro.

Já o casal do lado conseguiu foi me dar nos nervos. Tomara que todas as pulgas de todos os cinemas os ataquem cheias de fúria toda a vez que eles resolverem comentar a cena de um filme como se estivessem em casa.

“Réponds à ma tendresse…”

E agora, com vocês, mais um momento “é dor de amor, não vou negar”:

Tô com saudade de tu, meu desejo
Tô com saudade do beijo e do mel
Do teu olhar carinhoso
Do teu abraço gostoso
De passear no teu céu
É tão difícil ficar sem você
O teu amor é gostoso demais
Teu cheiro me dá prazer
Quando estou com você
Estou nos braços da paz
Pensamento viaja
E vai buscar meu bem querer
Não posso ser feliz assim
Tem dó de mim
O que que eu posso fazer?
(Gostoso demais, Dominguinhos)

É uma boa pergunta.

Google Ads

Como eu ainda não consegui me livrar das duras amarras do capitalismo — entendam, eu PAGO pra manter essa porra no ar —, rendi-me aos Google Ads.

Pensando em servir bem para servir sempre, agora vocês podem, com toda a praticidade e comodidade, no aconchego do vosso lar ou não, clicar nos links verdinhos disponíveis logo ali, na coluna da esquerda. Ajudem o titio aqui a não ter uma cirse do tipo “por que mesmo eu gasto dinheiro com isso aqui?”, obrigado.

DISCLAIMER: O Figaro desde já não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios apresentados. Embora o Google jure de pé junto que baseia a sua seleção no texto disponível aqui no site, eu não tenho nada, repito, NADA a ver com o anúncio do cirurgião mediúnico que eu vi aparecer ali agora há pouco. Sem críticas, mas cada um feliz da vida com a sua fé e eu com a minha, que já é bem difícil de delinear.

Vou de táxi

Em casa. De banho tomado e perfumado — por que, meu deus, se eu vou ficar em casa, virei Marylin Monroe agora, um anel de brilhantes e duas gotas de Channel? O carro quebrou. E eu precisando desesperadamente de uma cerveja, de uma mesa na calçada, de uma rua. Deus sabe quão perigoso anda o silêncio deste quarto.

Se tem uma coisa que eu realmente invejo no Rio é o preço dos táxis.
Ainda vou morar no centro.

Soneto de amor fatal

De amar me fiz cativo
E desta prisão que agora habito
Ocupo o primeiro cárcere
A torre mais alta deste Estado

A chave deste meu presídio
Quis que fosse o perigoso vício
De amar, a graça que liberta o mártir:
Em se amando, também ser amado

Eis que da torre não há chave alguma
E do cativeiro observo o distante porto
Sem trancas, sem martírio ou milagre

Pois este amor que de mim parte
É minha vida, barco que se apruma
Para vivo não ver-se amor morto

Morfina

Pequenas doses de amor para dores diárias:

Jantar com os amigos.
Estudar muito, mas nem tanto.
Ver a chuva na janela aberta — essencial que esteja aberta, também os armários.
Sentir o sol.
Olhar a lua.
Ir ao cinema. Chorar.
Ir ao cinema. Não chorar.
Receber a notícia maravilhosa de vida nova chegando!
Comprar CDs. (Socorro!)
Um corte de cabelo.
Uma tarde no Playcenter com a linda-irmã.
Ler com avidez.
Ler com preguiça.
Reler tudo porque não prestou atenção em nada — ô, cabeça!
Um conto de amor disciplinado de Lygia Fagundes Telles.
O teu olhar de esguelha. O teu perfil. Tuas mãos alongadas.
E uma dose sempre salutar — não importa o que digam os médicos — de chocolate.

Pensamentos próprios de versos emprestados

A formosura do teu rosto obriga-me
e não ouso em tua presença
ou à tua simples lembrança
recusar-me ao esmero de permanecer contemplável.
Quisera olhar fixamente a tua cara,
como fazem comigo soldados e choferes de ônibus.
Mas não tenho coragem,
olho só tua mão,
a unha polida olho, olho, olho e é quanto basta
pra alimentar fogo, mel e veneno deste amor incansável
que tudo rói e banha e torna apetecível:
caieiras, desembocaduras de desgostos,
idéia de morte, gripe, vestido, sapatos,
aquela tarde de sábado,
esta que morre agora antes da mesa pacífica:
ovos cozidos, tomates,
fome dos ângulos duros de tua cara de estátua.
Recolho tamancos, flauta, molho de flores, resinas, rispidez de teu lábio que
suporto com dor
e mais retábulos, faca, tudo serve e é estilete,
lâmina encostada em teu peito. Fala.
Fala sem orgulho ou medo
que à força de pensar em mim sonhou comigo
e passou um dia esquisito,
o coração em sobressaltos à campainha da porta,
disposto à benignidade, ao ridículo, à doçura. Fala.
Nem é preciso que o amor seja a palavra.
“Penso em você” – me diz e estancarei os féretros,
tão grande é minha paixão.
(Amor, Adélia Prado)

Sim, eu penso. Constantemente.
Mas muito mais do que isso, eu sinto.
E de sentir, o pensamento me escapa.

Horóscopo (de ontem)

Tensão entre Sol e Marte, este em seu signo, aumenta! Considerando também o bloqueio da Lua e de Plutão, melhor é pegar leve nas relações, não gastar dinheiro e evitar agir na base da pressão. Você reserva suas energias para momentos de maior chance de vitória. No amor, nada de ciúmes! (Folha)

Sei… Agora? AGORA? Além de atrasado, eu gostaria de saber o que isso tem a ver com o caminhão sem freio que quase passou por cima de mim ontem de tarde. Ah, quando eu digo caminhão sem freio, eu quero dizer caminhão sem freio. É, azul. Entre a pista da direita (a minha) e a calçada — preciso explicar que não há espaço para um caminhão ali? —, quase arrancando o meu restrovisor e beijando o poste. Sabe, não fosse a possibilidade de ter virado patê, acho que eu teria achado bonita a chuva de faíscas da fiação elétrica em cima da minha cabeça. Cinematográfica.

Barbudo, eu tô tomando nota, viu? De tudo! Eu não sei se as tuas linhas tão certas, mas tô pra ver caligrafia mais torta! Tá fácil, não! Pega leve, caralho!

Bode

Como diria uma boa e velha amiga: tem dia que a noite é escura.

Diário Oficial

Agora, pra dar pitaco aqui, tem que digitar o codigozinho da imagenzinha bonitinha. Peguem seus óculos. Cansei de ficar catando feijão no meio dos spams malditos.

Oração ao Tempo

És um senhor tão bonito
Quanto a cara do meu filho
Tempo Tempo Tempo Tempo
Vou te fazer um pedido
Tempo Tempo Tempo Tempo

Compositor de destinos
Tambor de todos os ritmos
Tempo Tempo Tempo Tempo
Entro num acordo contigo
Tempo Tempo Tempo Tempo

Por seres tão inventivo
E pareceres contínuo
Tempo Tempo Tempo Tempo
És um dos deuses mais lindos
Tempo Tempo Tempo Tempo

Que sejas ainda mais vivo
No som do meu estribilho
Tempo Tempo Tempo Tempo
Ouve bem o que te digo
Tempo Tempo Tempo Tempo

Peço-te o prazer legítimo
E o movimento preciso
Tempo Tempo Tempo Tempo
Quando o tempo for propício
Tempo Tempo Tempo Tempo

De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo Tempo Tempo Tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo Tempo Tempo Tempo

O que usaremos pra isso
Fica guardado em sigilo
Tempo Tempo Tempo Tempo
Apenas contigo e migo
Tempo Tempo Tempo Tempo

E quando eu tiver saído
Para fora do teu círculo
Tempo Tempo Tempo Tempo
Não serei nem terás sido
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

Ainda assim acredito
Ser possível reunirmo-nos
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo
Num outro nível de vínculo
Tempo, Tempo, Tempo, Tempo

Portanto peço-te aquilo
E te ofereço elogios
Tempo Tempo Tempo Tempo
Nas rimas do meu estilo
Tempo Tempo Tempo Tempo
(Caetano Veloso)

Oscar

Na categoria “o pior dia da minha vida”. Um forte candidato, pelo conjunto da obra.

Tristeza. Aguda. Profunda. Mortal. Sem sentido. Sem gesto. Sem verbo. Sem eco. Sem par. Sem trilha. Sem trilhos. Sem nada. Um tiro no peito. Um grito no vácuo. Uma fotografia sem cor. A expressão cinematográfica e pessoal de uma dor.